Entrevista com o arquiteto Henrique Mélega Re, presidente da Associação Regional dos Escritórios de Arquitetura de São Paulo (AsBEA-SP)
- O que não falta a escritórios de arquitetura é criatividade, mas a crise dos últimos anos tem sido severa e duradoura, e as empresas de arquitetura têm sofrido bastante
Redação AECweb / e-Construmarket
O arquiteto Henrique Mélega Re, eleito presidente da AsBEA-SP para o biênio 2019/2021, alerta para as graves consequências da falta de investimentos governamentais em obras públicas. Em entrevista ao Portal AECweb, ele diz que, de um lado, profissionais e empresas são substituídos pela importação de projetos e execução de obras. De outro, há o impacto perverso para a sociedade e o desenvolvimento do país. Acompanhe a seguir.
AECweb – Quais os principais desafios a serem enfrentados pela nova diretoria da associação?
Henrique Mélega Re – A AsBEA se encontra em um processo de reorganização, especialmente em São Paulo, com a fundação da AsBEA-SP. Estamos focados em modernizar a nossa entidade e nos abrir para novos associados – neste caminho, nos colocamos a meta de buscar lideranças regionais no interior de São Paulo, conectando o volume enorme de ótimos escritórios de arquitetura que não possuem uma representação qualificada tecnicamente e com visão de mercado como a AsBEA. Além disso, pretendemos inovar nossos formatos de eventos de conteúdo gerado pelos nossos Grupos de Trabalho, escolhendo os assuntos a serem tratados através de pesquisas entre nossos associados (como fizemos em nosso evento sobre BIM, no início de outubro), modernizar nossas formas de comunicação e ampliar nosso programa de internacionalização da arquitetura brasileira, o Built by Brazil.
AECweb – Como os escritórios de arquitetura vêm enfrentando a crise econômica, pela qual passa o país há alguns anos?
Mélega – O que não falta a escritórios de arquitetura é criatividade. Mas a crise dos últimos anos tem sido severa e duradoura, e as empresas de arquitetura têm sofrido bastante. Vejo muitas empresas se diversificando em atividades e mercados, revendo métodos e processos para buscar mais eficiência, investindo em tecnologia e se estruturando para uma retomada mais vigorosa da nossa economia, o que vem começando aos poucos em alguns mercados. Neste ambiente de crise, a relevância de associações como a AsBEA se intensifica, pois as empresas buscam mais interação e se unem para buscar soluções de problemas em comum. Entretanto, o valor da AsBEA não deve se mostrar apenas em momentos de crise, mas principalmente em tempos melhores e buscar o desenvolvimento da arquitetura no Brasil.
AECweb – O programa de exportação de arquitetura da AsBEA ajudou os escritórios nesse período?
Mélega – O programa de internacionalização de arquitetura da AsBEA, o Built by Brazil, capacita os escritórios a atuar em mercados internacionais. Certamente, os escritórios aptos a exportar ou trabalhar internacionalmente têm uma opção a mais em momentos difíceis da nossa economia e contam com a possibilidade de buscar alternativas fora do Brasil. Entretanto, a internacionalização de uma empresa de arquitetura é, acima de tudo, um processo de desenvolvimento técnico, comercial e administrativo, uma decisão estratégica das empresas que optam por isso e não um plano secundário para momentos de crise.
AECweb – Qual o impacto para os escritórios da escassez de obras públicas, em todos os níveis de governo?
Mélega – Obras públicas e de infraestrutura são normalmente as maiores em que é possível atuar e são as que produzem o maior impacto nas sociedades. A escassez de obras públicas e de grande porte resulta na extinção de empresas nacionais, que são capacitadas a projetar e construir tais obras. Num prazo curto, nossas empresas são substituídas por empresas estrangeiras que possuem o conhecimento para esse tipo de projeto, e os profissionais brasileiros, por sua vez, também são substituídos. A geração de valor e o conhecimento desenvolvido nestas obras são literalmente exportados e ficamos com o ônus de contas milionárias pagas em moedas estrangeiras. É uma reação em cadeia, impacta toda a nossa sociedade, sem considerar a falta ou precariedade da infraestrutura em si que este ciclo vicioso acarreta.
AECweb – E quais os prejuízos para as cidades e a sociedade brasileira?
Mélega – O impacto mais perverso não é a ausência das obras em si, mas a ausência do resultado e objetivos dessas obras (escolas, hospitais, universidades, aeroportos, portos, ferrovias, rodovias, revitalizações urbanas etc.) e o que estes objetivos representam para o nosso desenvolvimento.
Em uma pesquisa que elaboramos entre os associados da AsBEA, BIM foi o item de maior interesse, acima até de assuntos como normas, legislação e sustentabilidade
AECweb – O BIM já é uma realidade no desenvolvimento de projetos?
Mélega – Sem nenhuma dúvida. Em uma pesquisa que elaboramos entre os associados da AsBEA, BIM foi o item de maior interesse, acima até de assuntos como normas, legislação e sustentabilidade. Isso significa que as empresas já enxergam o BIM como uma ferramenta indispensável para o mercado atual. Grande parte das empresas associadas à AsBEA já trabalha utilizando a tecnologia BIM.
AECweb – Quais os elos fracos na implementação do BIM na cadeia da construção civil?
Mélega – Não chamaria de “elos fracos”, trata-se de uma curva de aprendizado que começa com o simples entendimento do que significa a sigla BIM e se desenvolve em assuntos como escopo de trabalho, contratos e todos os desdobramentos possíveis que o uso desta tecnologia oferece. As maiores dificuldades surgem da falta de conhecimento de contratantes e contratados sobre o assunto, e na falta de acordos claros entre as partes sobre onde começa e onde termina a responsabilidade de cada um dos envolvidos. A implantação de BIM em uma empresa requer mudanças de atitudes e conhecimento, além de novos processos. Sem um treinamento, estas mudanças não acontecem, e é quando os problemas começam.
AECweb – O Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2014 foi absorvido pelos projetos imobiliários na cidade de São Paulo?
Mélega – Apesar das dificuldades e desafios que o PDE de 2014 oferece, não existem opções ao cumprimento de leis e, desta forma, os projetos imobiliários se adaptaram bem aos novos regramentos. O PDE é a partida conceitual para a legislação urbanística – tem pontos positivos, mas também muitos pontos negativos: ao mesmo tempo em que incentiva a possibilidade de projetos de uso misto, ativação das ruas com comércios, fruição pública e outras características desejáveis, estabelece gabaritos exageradamente restritivos, valores de outorga altíssimos que impossibilitam o desenvolvimento de algumas áreas e restringe a variedade de tipologias nas Zonas Eixo de Estruturação e Transformação Urbana (ZEUs), com limites para as áreas de unidades residenciais. É uma Lei que trouxe boas inovações e novidades mas temos que reconhecer que ela precisa de ajustes e que nossa cidade merece essas revisões.
AECweb – E quais os caminhos?
Mélega – Não podemos nos comprometer com questões que já sabemos que serão prejudiciais urbanisticamente e até socialmente para São Paulo a médio prazo, só pelo fato de a lei já estar vigente. Na medida em que cria restrições e até impossibilita algumas tipologias, especialmente residenciais, cria também escassez deste tipo de imóvel e, consequentemente, o aumento de preços. Isso pode parecer um problema pequeno, mas em grande escala pode gerar desocupação de imóveis, estagnação do mercado e até mesmo a transferência de residentes da capital para municípios próximos, em busca de imóveis com melhores valores. Precisamos entender essas falhas e cobrar enfaticamente a prefeitura para que sejam corrigidas. As revisões da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS) foram iniciadas, inclusive com a participação da AsBEA, mas não foram adiante. Já contamos com um volume razoável de projetos desenvolvidos nesta nova legislação para podermos avaliar o que funcionou ou não, e devemos usar este conhecimento a favor da nossa cidade.
AECweb – Qual a posição da AsBEA em relação aos cursos de Arquitetura e Urbanismo à distância (EAD)?
Mélega – A AsBEA não possui um posicionamento oficial sobre o assunto, mas na minha visão o aprendizado da arquitetura requer grandes doses de vivência prática e em equipe – é assim que a maioria dos profissionais atua. Independentemente do formato em que vem, este aprendizado deve sempre ser de qualidade. A questão é entendermos se o EAD é capaz de oferecer esta qualidade. Acredito que a falta de convívio pessoal com colegas, professores e outros profissionais pode empobrecer a formação de novos arquitetos, mas temos também que dar o valor devido, enxergando que as ferramentas de EAD podem ser ótimos complementos ao estudante, oferecendo oportunidades que antes seriam inviáveis ou caras, como interagir com escolas, professores de outras cidades ou países, acessar conteúdos produzidos em qualquer lugar do mundo e criar um intercâmbio desejável entre as instituições e seus alunos.